Quando se abeirava dos 50 anos, Chang Dai-chien, já então um dos maiores pintores da China e reconhecido internacionalmente, decidiu por motivos políticos deixar o país. Após peregrinar por Índia, Europa e Estados Unidos, e viver algum tempo em Mendoza, na Argentina, ele resolveu se fixar, em fins de 1953, na pequena Mogi das Cruzes, onde pelos próximos anos levou vida retirada, em meio ao Jardim das Oito Virtudes e junto ao Lago dos Cinco Pavilhões por ele projetados, quase uma China em miniatura. A um canto do jardim, sob uma lousa, ele enterrava velhos pincéis e outros instrumentos já gastos de pintura ou caligrafia, como se fossem pessoas falecidas. Foi no sossego do ateliê de Mogi – o Pavilhão do Grande Vento –, onde nasceram as obras que exporia, com sucesso crescente, em Nova York e Tóquio, Paris e Londres, Chicago e Genebra, Bruxelas, Hong Kong e meia dúzia de outras cidades, embora raras vezes as tivesse mostrado no Brasil. Por aqui, poucos perceberam a importância daquele homenzinho de longas barbas brancas, vestido como os antigos letrados chineses, que todos os dias realizava extensas caminhadas apoiado a seu cajado, definindo-se como uma Árvore da Montanha, como que a sublinhar a própria solidão. É verdade que para isso muito contribuiu nunca ter aprendido o português, o que impossibilitava qualquer abordagem por quem não falasse o chinês; e que, mesmo quando pousava os olhos na paisagem de Mogi e de suas cercanias, o que via eram as montanhas, rios e vales da China ancestral, que trazia gravados na mente. Não se pense, porém, que não amou a seu modo o país que o acolheu, no qual encontrou a paz que buscava ao partir para terras longínquas. Disso é prova esse trecho de uma inscrição na pintura Letrado sobre uma colina, feita em 1963.
Jardim das oito virtudes em Taiaçupeba |
Chang Dai-chien deixou o Brasil em 1970, ao saber que o sítio onde vivera e trabalhara durante tantos anos estava prestes a ser inundado pelas águas de uma represa. Dirigiu-se inicialmente a Carmel, na Califórnia, onde já estivera em 1954, e onde, ao contrário do que ocorrera em nosso país, vivia cercado de amigos, fãs e curiosos, não só chineses, mas também professores universitários, artistas e inclusive hippies, que lhe ofertavam flores e o consideravam um dos seus. Em 1976, mudou-se outra vez, agora para Taiwan, de onde não mais se ausentaria até sua morte em 1983. Num amplo terreno próximo ao Museu Nacional de Taipé, ele construiu sua morada, hoje transformada em museu. Nos jardins, com as próprias mãos, colocou algumas pedras trazidas do Brasil – sentida lembrança do jovem país no qual viveu longos anos felizes.
Crianças brincando sob romãzeira, 1948 |
Chang Dai-chien vivia no Brasil quando, em 1956, por ocasião de sua exposição individual no Musée d’Art Moderne, de Paris, foi visitar Picasso na Ville Californie, em Cannes. Apesar da barreira dos idiomas e da diferença de temperamentos e de expressão, mútua simpatia surgiu entre os dois, que na ocasião trocaram desenhos. Como deve ter sido emocionante o encontro entre os dois maiores pintores vivos, do Ocidente e do Oriente!
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Parabéns pelo trabalho de pesquisa! Beli texto!
ResponderExcluirExcelente Matéria! Continuamos no aguardo de publicações desse naipe. Preenche as lacunas deixadas em nossa história por muito tempo.
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